A realidade é um "continuum"
Os numerosos estudos de diferenças entre os sexos e o igualmente cômico gênero de produções teatrais "Marte/Vênus" são misteriosos e desafiadores. Certamente eles demonstram o incômodo ressurgimento do desenfreado obscurantismo e persistente relativismo que continua a confundir a ciência com crenças ainda bastante difundidas baseadas em religião, mitos e outras tradições. De fato, falar sobre gênero e estudar as diferenças entre homens e mulheres, é base da mais fundamental forma de sexismo da mesma maneira que os estudos das diferenças raciais refletem seu subjacente racismo fundamentado, dado que estes estudos negam que a natureza fundamentalmente é expressa em um "continuum", especialmente gênero, sexo e pigmentação. Sem dúvidas, isso se deve à natureza sexista da ciência exata que continua em grande medida mesmo hoje.
Ciência sexista
A biologia, a ciência dos organismos vivos, e assim a ciência exata mais próxima das ciências sociais, é sem dúvida a principal culpada. Persistir na classificação de organismos vivos em duas discretas categorias é evidência de imperdoável desonestidade intelectual na parte de qualquer biólogo respeitável. Este dimorfismo sexual presumido é uma decepção. Tendo dois braços, dois olhos e duas bolas, os homens, que históricamente têm sido aqueles que construíram a estrutura das ciências biológicas têm sido incapazes de imaginar um mundo não-binário. Felizmente a biologia evoluiu-se, em particular por observações feitas em relação a "hermafroditas" ou indivíduos intersexuais, que existem em todas as espécies animais, de modo que hoje a idéia de que sexo é expresso como um "continuum" aparece evidente para muitos.
A matemática, que lida com objetos abstratos, fala sobre funções contínuas e descontínuas e nos ensina a distinção entre um quadrado e um círculo. Estas são ferramentas poderosas para vários modelos conceituais, entre outras funções, se usados como previsto. Têm sido tentador aplicar a teoria das partes para classificar seres humanos em categorias mas o fato é que partes separadas podem ser visualizadas apenas na nossa imaginação, descontinuidade NÃO EXISTE no mundo que nos cerca. É uma abstração.
Na física, mesmo que alguns modelos científicos usem a noção de descontinuidade, é porque tais modelos podem ajudar na consideração a alguns fenômenos observáveis e em fazer previsões baseadas. Entretanto, estes modelos permanecem simplificações da realidade. Assim, os discretos níveis de energia quantica mecânica dependem de tendências estatísticas e apenas superficialmente ocultam o subjacente contínuum da matéria e energia! Mesmo "liga/desliga" e 0/1 não são estados completamente discretos (um interruptor nunca está completamente ligado ou desligado); normalmente o tempo é um fator onde se permite falar sobre transição (que é de novo um continuum) no caso e por outro lado para descrever transições em termos da existência de duas discretas categorias.
Classificação para os propósitos de uma segregação mais "efetiva"
Como oposto às classes de objetos abstratos com propriedades perceptíveis, as classificações de esquemas do mundo natural são inerentemente arbitrárias e quando lidando com a espécie humana, provavelmente possuem um único objetivo: discriminação e segregação. Eles podem ser úteis (por razões demográficas, epidemiológicas e sociológicas) em trazer tratamentos e análizes baseados em diferenças de traços específicos humanos mas é necessário jamais perder de vista o fato de que cada traço é apenas um de numerosas facetas que fazem um organismo complexo (o corpo humano, a humanidade em geral) que está continuamente em interação com o ambiente e constantemente evoluindo. Todo sistema de classificação que tende a definir ou estabilizar diferenças fixas entre todos os seres humanos é extremamente suspeito.
A conceitualização de sexo como invariável (nota: na matemática, invariável é algo que não se altera sob um conjunto de transformações) dentro da população humana e fazer disso os fundamentos da nossa sociedade leva diretamente ao sexismo. O conceito de gênero, mesmo que nos permita esclarecer e provar a discriminação sexista é uma realidade, é também um modelo imperfeito, e em muitos casos pode promover mais sexismo. Os gêneros binários são tão abstratos como um quadrado ou um círculo e é freqüentemente usado em uma maneira que parece impor divisões binárias e classificações em todas as variações sexuais humanas que são reais, não abstrações, e que são infinitas. Como resultado desta abstração social construída de gênero como binário, pessoas são excluídas, escravizadas, normalizadas e mutiladas.
Pensar além de gênero é indispensável se desejamos uma sociedade mais aberta e diversa. Mas é isso o que nós realmente queremos? Se a resposta for sim, vamos aceitas o "continuum" da diversidade no mundo e deixar a lógica binária para os computadores!
Por Tanguy Pinxteren, membro da OII http://www.intersexualite.org/Europe-Index.html e Co-fundador da Genres Pluriels http://www.genrespluriels.be/
Artigo originalmente em Françês e traduzido para o português por Aline de Freitas a partir da versão em inglês de Curtis E. Hinkle
Versão original em Francês: http://www.genrespluriels.be/spip.php?article74
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