achei esse textinho no meu computador, esquecido, coitado. fala um pouco das epistemologias feministas com base na haraway e na susan bordo. vou postar aqui e quem sabe futuramente re-escrever ou completa-lo. outra leitura massa é a sandra harding no artigo 'o que são epistemologias feministas' que está na minha listinha de traduções; vou juntar aqui também umas sugestões de leituras para epistemologias feministas:
A Epistemologia Feminista
1- Panorama Geral.
A Epistemologia Feminista estuda as formas em que o gênero pode e influencia nossas formas de conhecer. Ela identifica formas sobre as quais concepções e práticas de atribuição, aquisição e justificação de conhecimentos dominantes sistematicamente desprivilegia mulheres e outros grupos subordinados (atenção ao uso dessa expressão ao invés da expressão ‘minorias’); além disso, ela estuda e busca reformar alguns conceitos e práticas para servir aos interesses desses mesmos grupos.
Epistemologia feminista oferece um bom exemplo de aproximação social à epistemologia, ao examinar como as relações sociais de gênero influenciam nossas praticas de conhecimento, ao mesmo tempo em que busca desenvolver modelos sociais de conhecimento adequados que permitam modificar a estrutura social vigente.
Para a Epistemologia feminista as mulheres são desprivilegiadas pelas praticas dominantes de conhecimento de várias maneiras:
- São excluídas do inquérito
- Tem sua autoridade epistêmica negada
- Tem seu estilo cognitivo “feminino” desmerecido
- São representadas nas mais diversas teorias como inferiores, desviantes, ou significantes apenas quando servem aos interesses masculinos.
- Tem suas atividades, interesses, lutas e reivindicações apagadas das teorias que investigam os fenômenos sociais.
Além disso, as feministas acusam os saberes tradicionais de não serem úteis a pessoas em posições subordinadas, além de perpetuarem situações de dominação.
Um conceito central na epistemologia feminista é o de saberes localizados, isto é, saberes que refletem a perspectiva particular do sujeito. O conhecedor é situado em relações particulares com o que é conhecido e com outros conhecedores. O que é conhecido e como é conhecido reflete a perspectiva do sujeito. Filósofas feministas estão interessadas em como o gênero situa o sujeito conhecedor, em como a construção social dos gêneros afeta a formação de estilos cognitivos diferentes.
Por isso cunharam o conceito de “embodiment” (encorporamento?) pra dizer que pessoas experienciam o mundo usando seus corpos, que tem constituições diferentes e estão em diferentes locais no espaço e tempo; e ainda mais, para separar conhecimento de primeira e terceira pessoas.
É bom lembrar que as teóricas feministas cunharam a categoria de gênero*, que difere de sexo, porque enquanto a primeira é socialmente construída, internalizada nos indivíduos pelos diversos meios de socialização (família, escola,etc) a segunda constituiu-se do aparato biológico individual.
Gênero é o que a sociedade faz das diferenças sexuais; os diferentes papéis, normas e significados que se atribuem a mulheres e homens.
Além disso, coisas associadas e ligadas a essas diferenças formam o imaginário de esferas separadas por gênero. E é esse imaginário que vai balizar a socialização de meninos e meninas; desde pequenos tratamentos diferenciados, gerados pelo ideal de feminilidade ou masculinidade reinante, são dados as crianças, mostrando a elas como devem agir pra serem aceitas/os. Uma vez internalizado esses conceitos, uma vez que tenha se tornado natural, as normas de conduta por gênero (e por raça e classe também) afetam profundamente a experienciação do individuo.
Essas diferenças criam diferentes redes de crença nas quais informações, as quais homens e mulheres tem, em princípio, igual acesso, são processadas; Mas, como essas redes de crença são diferentemente formadas, certos tipos de informações serão privilegiadas por um e por outro, e ainda mais, as interpretações vindas do mesmo dado podem variar substancialmente. Além disso, através desse processo de diferenciação identitária, mulheres e homens desenvolvem estilos cognitivos diferentes, que são reforçados pelas esferas diferentes de trabalho colocadas socialmente para os diferentes sexos. O estilo masculino é construído como abstrato, teorético, analítico, dedutivo, quantitativo, etc. Já o feminino é concreto, prático, sintético, intuitivo, qualitativo, relacional, emocional, etc. Desta forma temos diferenças empíricas de percepção entre homens e mulheres, muitas vezes tributadas a diferenças biológicas no funcionamento cerebral; o que é duramente criticado por essas teóricas em sua luta contra o essencialismo biológico.
É dessa forma, unindo o conceito de saberes localizados, com o de papéis de sexo socialmente constituídos que vai operar, basicamente a Epistemologia Feminista.
Criticando a noção de imparcialidade científica, elas introduzem a teoria de que as pessoas representam objetos em relação com suas emoções, posicionamentos e interesses, afirmando que os saberes tradicionais teriam cor, gênero, classe e orientação sexual, a saber: branco, masculino, de elite e heterossexual.
No entanto defender que os saberes são localizados não implica num relativismo extremado. Não é afirmar que perspectivas só podem ser julgadas em seus próprios termos, nem que nenhuma perspectiva é melhor que outra. A noção de saber situado serve pra mostrar que variáveis como gênero, classe, situação social influem na forma de conhecer. Mostrar que o conhecimento não é imparcial. A idéia é levantar mais questões que antes eram simplesmente ignoradas pela epistemologia.
A epistemologia feminista trabalha em 3 correntes epistemológicas com esse conceito de saberes localizados: a teoria do ponto de vista, pós-modernismo e empirismo. Essa divisão foi proposta por Sandra Harding, e quando ela o fez, colocou cada uma das três classes como oferecedoras de três bases fundamentais e contrastantes. O empirismo foi pensado como pressupondo um sujeito do conhecimento não situado e politicamente neutro, enquanto a teoria do ponto de vista e a pós-modernista ofereciam diferentes aproximações ao problema dos saberes situados- a primeira sustentando um privilegio epistêmico de uma situação sobre outros, e a outra abraçando o relativismo de pontos de vistas. Na última década os limites entre esses três campos tem se apagado cada vez mais. Algo que foi predito pela própria Sandra Harding. Mas o que é importante é que essas três formas de epistemologia feminista abraçam o pluralismo e rejeitam teorias totalizantes.
2- Teoria Feminista do Ponto de Vista
As teorias de ponto de vista são um tipo de teoria crítica que procura empoderar os oprimidos para melhorar sua situação; elas foram bastante utilizadas pelos Marxistas, e é do marxismo que as feministas herdam o seu uso. Os marxistas defendiam que o proletariado teria um privilégio epistêmico sobre a classe dominante no que diz respeito a questões fundamentais de economia, sociologia e história. A opressão daria a eles uma perspectiva objetiva sobre o sistema capitalista. Porém, eles só conseguiriam esse privilégio quando tomassem consciência de seu papel no citado sistema de produção.
As feministas, seguindo a linha marxista de pensamento, defendem o privilégio epistêmico, do ponto de vista feminino, sobre as teorias que sustentam o patriarcado, nas questões de relações de gênero, e o fenômeno social e psicológico que gênero implica.
De acordo com algumas feministas marxistas, mulheres são centrais ao sistema de reprodução (socializando crianças e cuidando de seus corpos) da mesma forma que os trabalhadores são centrais para o sistema de produção de bens. Pelo fato de serem responsáveis por atender as necessidades da família, estão em melhor posição pra ver como o patriarcado funciona, e a quem ele serve.
Segundo feministas marxistas radicais a dominação masculina é baseada na objetificação sexual das mulheres. No processo de objetificação, o grupo dominante projeta seus desejos no grupo subordinado e, por causa de seu poder, faz com que o grupo subordinado se submeta a suas vontades, fazendo-o acreditar que tal forma de agir é natural e necessária. Gênero é o modo de objetificação constituído pelo desejo erótico. Os homens constituem as mulheres como mulheres, através da representação de sua natureza como essencialmente sexual e subordinada a eles, e através do tratamento dado a elas por eles. Somente as mulheres podem desmascarar essas representações ideológicas adquirindo e agindo de acordo com um entendimento coletivo de si mesmas (como a tomada de consciência do proletariado).
Resumindo, as mulheres são oprimidas, e tem experiência direta de sua opressão, diferentemente dos homens cujos privilégios os impede de perceber como suas ações afetam as mulheres enquanto classe; então elas têm privilégio epistêmico sobre os homens. Seguindo essa lógica de opressão gerando privilégio epistêmico desenvolve-se dentro da teoria feminista a epistemologia feminista negra, baseada na experiência pessoal do racismo e do sexismo, e nos estilos cognitivos associados às mulheres negras.
3- Teoria do Pós-modernismo Feminista
O pós-modernismo busca, politicamente, enfatizar a revelação da localidade e da constestabilidade de qualquer sistema de pensamento, servindo como forma de crítica e busca de liberdade. Ele rejeita metanarrativas totalizantes: não há teoria, por mais completa e unificada, que descreva toda a verdade sobre o mundo.
Assim, a escolha de qualquer teoria particular é um exercício de poder aonde se excluem certas possibilidades e se autorizam outras.
Além disso, o pós-modernismo defende ações e praticas como signos lingüísticos; como as palavras eles significam coisas além de si mesmos. O discurso seja lingüístico ou não, moldaria a sociedade e essa seria moldada por ele.
No feminismo, as idéias pós-modernistas foram utilizadas contra teorias que justificassem práticas sexistas. A defesa de que o gênero é socialmente ou discursivamente construído, através de práticas e sistemas de significado que podem ser destruídos, é vinda do pós-modernismo.
As feministas pós-modernas criticaram muitas das principais teorias feministas de gênero e patriarcado como essencialistas, uma vez que tais teorias de alguma forma identificam uma causa necessária, ahistórica e universal da identidade de gênero ou do patriarcado. Essa objeção ao essencialismo é puramente política: ao defenderem que a identidade de gênero é uma coisa ou tem uma causa, essas teorias convertem discursivamente fatos construídos em normas, diferenças em desvios. Além disso, elas excluem mulheres que não estão dentro da norma da classe de “verdadeiras mulheres”, ou as representam como inferiores. As criticas de feministas lesbianas ou negras reforçaram o ceticismo sobre a unidade presumida na categoria “mulher”, interseccionando-a com as categorias de raça, classe e orientação sexual. As teóricas feministas tradicionais são acusadas agora de não se ater a sua própria localização e assim reproduzir as relações de poder (fazer com as “outras mulheres” o mesmo que o conhecimento tradicional fez com as mulheres em geral). Assim o pensamento feminista pós-moderno rejeita “mulher” como categoria de análise.
As feministas pós-modernistas vêem nossa situação epistêmica como uma permanente pluralidade de perspectivas, nenhuma delas podendo clamar objetividade. Essa posição foi muitas vezes chamada de relativista, ao que algumas feministas respondem que tal posição rejeita tanto o objetivismo quanto o relativismo. Isso porque essas duas formas de pensar tiram o enfoque, a responsabilidade do conhecedor na construção de suas representações.
4- Empirismo Feminista
O empirismo feminista está interessado em como valores feministas podem legitimamente informar o inquérito empírico, e como os métodos científicos podem ser melhorados a luz da demonstração feminista de preconceitos de sexo nos métodos atuais.
A problemática central do Empirismo feminista pode ser capturada em dois paradoxos aparentes. Primeiro, muitas das criticas feministas a ciência consiste em expor os tendências androcêntricos na pesquisa cientifica, especialmente em teorias sobre mulheres, sexualidade e diferenças de gênero. A força dessa critica parece estar baseada num comprometimento empirista que vê as tendências como epistemologicamente más, uma vez que levam a falsas teorias. No entanto, algumas feministas advogam que valores feministas (que são, de alguma forma tendenciosos) informam legitimamente o inquérito cientifico. As feministas empiricistas têm que de alguma forma tentar conciliar essas duas posições. Segundo, muitas críticas feministas são devotadas a expor a influência dos fatores políticos e sociais no inquérito cientifico. Cientistas defendem teorias androcêntricas porque são influenciados pelos valores sexistas da sociedade em que se encontram. Isso parece implicar que, para eliminar essas tendências sociais, as feministas adotam uma epistemologia individualista. Mas ao invés disso, elas buscam não que os inquiridores se isolem, mas que eles reestruturem as práticas cientificas para que esteja aberta a diferentes influências sociais.
Bibliografia
Haraway, Danna- Saberes Localizados
Bordo, Susan- Gender, Body, Knowledge
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