Brasília. Cidade construída a custa dos corpos mortos dos operários também conhecidos como candangos. História desconhecida nos livros e mitos do Eldorado. Brasília e a lógica predatória que perpetua. A terra se resseca com o tempo do concreto já tombado. Brasília, a cidade tombada pelo império que não cessa. Cidade que por sua realeza assassina, extermina, na freqüência toda própria da manutenção da ordem. Chegamos onde queríamos, a ordem. O poder do império é visível. Agora sobre olhos bem modernos. Arquitetura fascinante é aquela tão limpinha e branca e concreta. A ordem do asfalto anuncia: são dos carros a preferência do acesso. Falando nisso, quem é dono é predileto nesse mundo de branqueza, ordem e concreto. Ordem e acesso. Branco e concreto. Assassinos e império. É bem aí que se situa relações muito próprias e eugenistas. A cidade já por si segrega aquelxs que a construíram e constroem ainda hoje com cimento e pó e sangue e sofrimento. São roubadxs diariamente do fruto de seus trabalhos e arrastados pelas forças imperiais para a Centro de Erradicação de Invasões (Ceilândia) pelos invasores apoderados que sustentam a ordem do império. Digo aqui que nessa cena estão mulheres. Muitas e negras empregadas que na sua rotina lidam com o roubo tão necessário para a construção do império. São elas que cuidam das casas brancas e servem os cafés, limpam banheiros, o pátio e quase sem salário voltam pra casa na Ceilândia através de ônibus bem notáveis pela sua semelhança com os navios imperiais que seqüestraram africanxs não muito atrás. Essas mulheres além de serem roubadas diariamente pelas casas brancas e terem sido seqüestradas são privadas do direito aos seus corpos. E subsegue a privação do direito de cuidarem dos corpos que delas nascem. meninxs negrxs que olham o mundo pela primeira vez já marcadxs pela negligência conveniente daqueles que compram iates com o dinheiro do hospital. que coincidência! são os mesmos que seqüestraram e roubam e segregam e privam a sua mãe do direito ao seu corpo. Brasília e a cena se reprisa. Todo dia, toda hora, toda dor. Todo o império colonial. E é aí que estão aquelas relações eugenistas já citadas. É aí que está um monte de instituições do estado. o mesmo que a mesma história que apagou o assassinato dos candangos construiu o mito de sua potencial exceção assassina conhecida como ditadura. tão temida é perpétua nas mãos do estado colonial. Adiantei um pouco. Esse é provavelmente o final. Voltando, as instituições desse estado colonial estão nos prédios construídos em cima dos corpos dos candangos. Muitas são elas narradas de forma como se hoje não mais racistas, não mais elitistas e muito, bastante democráticas (já que o estado é democrático e direito). A cada uma é cedida a tutela de quesitos para a boa vida em sociedade. Essa é a filosofia tão bela e eficaz que divide entre órgãos do poder estatal a tarefa de ordenar quem pode dar fim à essa ordem de pisar-na-cabeça-dos-outros-sempre-e-cada-vez-mais-e-melhor. é por isso que na cidade está encravado o funcionarismo público responsável pela sua irresponsabilização cotidiana e burocrática face às atrocidades da cidade erguida com os ossos do concreto. Cidade do estado. Irresponsabilidade e burocracia. Atrocidades e ossos. Cotidianamente. Brasília. Um olhar para o céu esconde a cor sangue da terra. a cor branca é do concreto de ossos. o rosa que fugiu dos rostos enrubesce o céu ao por-do-sol. Um olhar ao jornal esconde a realidade contínua da cidade-estado-colonial.