invasão-sedução-utopia
no encontro de 2006 pensamos que esses poderiam ser três eixos temáticos interessantes, que se relacionam entre si, inclusive. a página apresentava os três seguintes textos.
invasão: s.f. ação de invadir/ irrupção feita num país por uma força militar/ ocupação geral de um lugar: invasão de ratos./ Med. Irrupção de uma epidemia numa região. / Fig. Difusão súbita: invasão das novas idéias./ bras. Ocupação, por pessoas pobres ou de parcos recursos, de habitações ou de terras pertencentes ao Estado.
Tentando dar conta da ambigüidade semântica do termo:
O uso da palavra “invasão” pressupõe algum grau de posse ou pertencimento: alguém tem o que é seu invadido por outrx. X invasorx age em âmbitos que não lhe pertencem, e reivindica a si a posse daquela área alheia. É umx usurpadorx. Se pensarmos em termos da sociedade capitalista, podemos ver o próprio sistema econômico como invasivo: ele usurpa o que é de propriedade coletiva e vende o que não é seu a alguém que possa pagar mais caro. E essx novx donx é também umx invasorx. Na outra face da moeda, a ocupação que xs despossuídxs fazem de terras do governo ou habitações abandonadas pode ser considerada invasiva, e ampliando, podemos dizer que a ação direta de sabotagem ou confronto com o sistema é um método invasivo. Assim a invasão poderia ter uma conotação interessante, no nosso ponto de vista. Podemos apostar no caráter rebelde da invasão, de desrespeito à propriedade e às normas de boa conduta. invasão como subversão. O problema é que essa visão tende a uma percepção da invasão como personificando o espírito livre, que não se deixa constranger por leis, imposições, etc. personificando a vontade absoluta, o que nos faz cair num problemaço: a questão do consentimento. A invasão pressupõe o não consentimento e por isso mesmo, algumas de nós duvidam que a invasão possa funcionar mesmo como uma força de ação rebelde interessante. Parece que ela pressupõe hierarquias e um par ativa/passiva, parece que pressupõe violência. Nesse sentido: ela não á a própria força do sistema? Posso usar as ferramentas do senhor pra desmanchar a casa do senhor? Algumas de nós acreditam que a resistência é a força oposta à invasão e ela sim é uma ferramenta interessante para subversão.
invasão pressupõe uma noção de interno e de externo, evoca os limites do próprio sujeito, tanto espacialmente quanto no âmbito da vontade e do controle: a invasão exclui a possibilidade de escolha daquele que é invadido; se o sujeito acredita que a divisão interno/externo tem a ver com: dentro eu controlo, fora eu não controlo, o que acontece com essa crença depois da invasão? A invasão, sendo inesperada, acontece exatemente num espaço aonde o invadido não controla. Parece que a invasão tem a ver com um sujeito “a” reivindicando o controle do espaço interno de um sujeito “b”... e ai vem a questão da passividade versus atividade, novamente (e a gente não pode parar de pensar no estupro ou no controle dos corpos femininos- e dos nossos espaços internos mesmo- apesar de eu tentar afastar essa visão da análise, mas é difícil). Mas, apesar disso, será que o tal sujeito “b” não pode quere/gostar de ser invadido? Será que isso é tão absurdo assim? A gente pode pensar na invasão como um sacolejo do espaço de confortável de crenças de um sujeito, é uma ação que tira da rotina e da estagnação, que põe em movimento, que gera mudanças... assim a invasão funciona como uma ruptura de uma superfície aparentemente sem fissuras, plácida e homogênea: é a imagem da revolução. E podemos pensar uma revolução não-violenta? Novamente as ferramentas do senhor...
sedução. Palavra próxima de sedição. Revolta, perturbação da ordem. A proximidade das palavras não está apenas na sua escrita.
Podemos ir às palavras em suas origens (como qualquer origem, inventada): sec-ductere (ducere). Seccionar vem de sec (se); e significa cortar, interromper, redirecionar. Ductere origina os dutos, os canos, os caminhos, as estradas. Uma interessante maneira de pensar a sedução seria o desvio, o descaminho. A perturbação de um caminho já traçado, previsto, pré-determinado. Algo seduzido é algo descaminhado, que terá que seguir outros cursos, outros caminhos, outras estradas. Neste sentido, sedução é a possibilidade de seguir outros caminhos, outras vias e, quem sabe, ocupar outros espaços. O belo da sedução está no movimento de descaminhar na companhia de outras pessoas. A sedução é um ato não solitário. Ou seduzo alguém ou sou deduzid@ por alguém – ou por alguma prática, discurso ou instituição. Ser seduzido é ser desencaminhado. É ter saído dos trajetos fixos e prévios onde nada parece poder ser diferente.
Um corpo crisístico é um corpo que oscila entre seduzir e ser seduzido. A sedução aqui é causada pela crise/crítica que o encontro com corpos em sua funcionalidade tem nos causado. Então a sedução que nos interessa aqui é a sedução crítico/crisística. Não qualquer descaminho nos interessa, mas um descaminho, um desvio que nos coloque em embate com as normas. Neste contexto, a sedução está aberta pela invasão e ela mesma é invasora. Uma invasão que desencaminhe, que não assegure na certeza confortante o que deve ser feito de nossos corpos. Por outro lado, a sedução é utópica, não por afirmar uma ausência de possibilidade ou apenas uma existência regulativa, mas por conduzir a outros caminhos e ousar outros espaços, espaços ainda inexplorados. A idéia é buscar uma sedução que nos permita invadir e ser invadidos utopicamente na criação de espaços para corpos crisísticos; buscar uma utopia que nos invada sedutoramente; utopizar a sedução invasora e a invasão sedutora, na busca de novas relações com os corpos, na busca de novas relações com o mundo e com os outros, de novas corporeidades.
utopias
Acepções substantivo feminino 1 qualquer descrição imaginativa de uma sociedade ideal, fundamentada em leis justas e em instituições político-econômicas verdadeiramente comprometidas com o bem-estar da coletividade 2 Derivação: por extensão de sentido. projeto de natureza irrealizável; idéia generosa, porém impraticável; quimera, fantasia
e se invadíssemos o lugar que não existe pra ocupá-lo? nós poderíamos montar uma realidade alternativa a essa institucional, engessada, sufocante. mas não só uma realidade paralela: uma realidade concorrente, que desestabilizasse aquela, abrindo rachaduras em suas estruturas maciças.
queremos fazer com que nossa ação e pensamento não sejam um paraíso perdido com o qual sonhamos pra conseguir algum alívio da rotina dura, queremos uma utopia que alimente nossos desejos e fortaleça a disposição de vivermos combativamente.
você às vezes sente que o mito da utopia como paraíso perfeito, intangível e impraticável acaba impossibilitando nossas ações? não parece que aceitar o mito é um passo mais em direção ao abismo do estado de coisas como estão? um suspiro de "se o diferente não tem como, é melhor se contentar com o mesmo..."?
e temos ouvido rumores de que a utopia não é só o diferente, mas que é O MELHOR, o fim dos problemas, a placidez eterna... isso não dá um pouco de tédio? por que estamos tão convencidxs de que o ideal é viver sem problemas? por que temos tanto medo do risco, do surpreendente? e por que a resposta imediata ao desespero da realidade é a ilusão do ideal?
então vamos inventar o desafio de transformar o lugar da ilusão num lugar de sonhar-acordada, erguendo uma utopia sólida, ainda que instável e provisória. como podemos enfrentar esse desafio? e como podemos fazê-lo sem ser em nome de uma esperança vindoura, uma recompensa distante?
talvez se fizermos da utopia não o resultado ou destino, mas um caminho... não precisa ser um caminho que leve a algum lugar, e muitas vezes vai ser um caminho que nos faz andar em círculos e nos alheia, mas até isso pode ser bom quando desobriga um pouco nossas ações de um compromisso com o futuro e nos conecta a nossa vida diária, ao que podemos fazer agora pra viver de maneira menos fragmentada e degradante.