kk2011

Mudanças Recentes - Buscar:



editar

Diaspora

a unicórnio negra
(audre lorde)

A unicórnio negra está ávida.
A unicórnio negra está impaciente.
A unicórnio negra foi confundida
com uma sombra
ou símbolo
e levada
por um país frio
onde a neblina desfez em zombaria
minha fúria.
Não é no colo dela que o chifre descansa
mas bem dentro de sua cratera lunar
crescendo.

A unicórnio negra está inquieta
a unicórnio negra está tensa
a unicórnio negra não está
livre.


insaciáveis (tem uma música do new order que fala sobre ilhas)
(t.)

do outro lado do mundo,
em uma ilha

rica porque roubou tanto de outros continentes
que eles ficaram parecendo ilhas

uma amiga me escreve
sobre a menina negra chapada que encontrou
pedindo dinheiro na rua
com sangue nos olhos.
eu leio,
tento me enxergar um pouco nelas
- tanto na amiga, branca, porque ela é feminista,
quanto na menina, preta, por razões nítidas -,
tomo um chá
me sinto inviável.

passeando de carro
com outra amiga, preta dessa vez,
paramos no sinal

um menino
preto de diáspora
mas também de sujeira
pede
eu não tenho dinheiro
ela dá

o cara no carro do lado é um macho branco
o vidro fechado é escuro
a roupa dele é um terno
o carro é potente
o menino bate no vidro,
ele nem olha

os olhos do menino são tão grandes
que me cabem lá dentro
eu com meu mal-estar de preta classe-média
tentando romper com os privilégios
por mais que eles, como ventosas,
tentem me sugar
eu caibo inteira nos olhos do menino
enormes, brilhantes, inúteis
uma vida inteira
desperdiçada
no começo, ainda,
tão jogada no lixo
esmagada no asfalto quente

eram duas da tarde, porra
y ele descalço
que tipo de vida é essa que a gente herdou
depois de termos morrido tanto
depois de termos ensinado com sangue
depois de termos nos perdido tanto
depois de estarmos nos perdendo
ainda morrendo
subvivendo

me dá vontade de chorar; eu choro
choro mesmo
sem nenhum tipo de vergonha
nem mea-culpa burguês
nada disso
choro pra ver se meus olhos ficam brilhantes
ou daquela fome de vida que vi nos olhos do menino
ou daquela fúria que viram nos olhos de sangue
de outra menina
perdida
numa ilha
longe daqui.

Editar - Histórico - Imprimir - Mudanças Recentes - Buscar
Pagina modificada em 07 de May de 2008, às 21h25